sábado, 3 de março de 2012

O Homem do Nariz Empinado


Na segunda crônica que escrevi, registrei para a minha história (nem a História “científica”, nem a “istória” do neologismo com o qual apelidei a brasileira em minha primeira crônica) o apreço que sinto por diversos políticos brasileiros, “caricaturusando” José Sarney e Fernando Collor de Mello como metáforas. Agradeço a ambos por me permitirem tal minimalismo literário, e estendo a muitos colegas deles, farinha vagabunda do mesmo saco, todo o meu desprezo: eu poderia ter escrito, com o mesmo efeito, metaforizando em torno de José Dirceu, sua gang e simpatizantes; ou Serjão, Tonico Malvadeza e sua turma; para não falar de alguns ministros mais recentes...

Mas tal registro do pecado da ira era um apêndice, um “já que” literário. Relembro que meu objetivo principal na crônica era explicar o motivo pecaminoso de meu pseudônimo: a inveja que sinto de Luis Fernando Veríssimo.

Tenho várias crônicas, ainda em elaboração e “encaprichamento” (pois não sou meu invejado), nas quais contarei eventos da vida de meu primeiro personagem, o primogênito e preferido: Notarobaldo.

Notarobaldo é colega de ginásio da Velhinha de Ribeirão Preto, a única prima da Velhinha de Taubaté; acionista de várias empresas, inclusive da Natura, da Vale e da Petrobrás. Só não compra ações de empresas que terminam por “X”, dizem que por pura superstição... Notarobaldo estuda a vida de Mussolitler, um nazi-fascista brasileiro que foi amigo do Pedro Malasartes, e cujos registros foram derretidos, por engano, junto com a taça Jules Rimet. Foi anfitrião do Akfak, uma barata bipolar que virou gente. Notarobaldo é como que um pólo de relações entre os meus futuros personagens aos quais já me apeguei tanto que não consigo finalizar nada que começo a escrever sobre eles. Porque a vida segue e sempre haverá algo mais a dizer. Enfim... começarei apresentando cada um deles, oferecendo amostras das respectivas personalidades. Vamos ao Notarobaldo.

Dizem que ele chegou a fazer tratamento com o Analista de Bagé. O problema de Notarobaldo era o nariz empinado. Desde pequeno, sempre teve o nariz empinado. Com isso, incomodava a todos. Não dava para não notar. Todos comentavam. Como podia alguém ter o nariz tão empinado? Como podia uma pessoa não se dar conta do que ocorria a sua volta, estar sempre com ares alheios? Provavelmente era o ser humano com o nariz mais empinado do mundo.


Obviamente chegou a sofrer bullying-adulto de alguns. Outros acabaram dele se afastando, por uma subliminar imposição social. Muitos, antes de se afastarem, distorceram fatos e amplificaram fofocas.

Foi provavelmente este contexto que fez Notarobaldo, aos trinta e cinco anos, procurar o Analista de Bagé. Uma empresa o contratou (dizem que para cumprir a cota de deficientes físicos...) e seus consultores de auto-ajuda organizacional o convenceram da importância de se buscar o auto-conhecimento e o auto-desenvolvimento.

Aos quarenta e dois anos, Notarobaldo  estava recuperado: de um quase misantropo, por conta do nariz empinado, tornou-se um case de branding pessoal.

Não. Notarobaldo não será personagem de uma crônica sobre como se redimir do pecado da Soberba, não. Nariz empinado, neste caso, não é a popular terminologia denotar arrogância.
O nariz de Notarobaldo era “fisicamente” empinado. Cientificamente, explico: a medula espinhal atinge o seu tamanho adulto antes de o canal vertebral o atingir. Deste modo, até ao terceiro mês de vida fetal, ambos apresentam aproximadamente a mesma taxa de crescimento, com a medula a preencher todo o canal vertebral. No caso de Notarobaldo, ocorreu o contrário.  Daí, os nervos raquidianos foram afetados e também os gânglios dorsais raquidianos. Tudo parou de crescer. De cervical para sacral, passando pelas raízes dorsais e ventrais. A cisterna lombar – que é um fundo de saco dural, após a terminação da medula espinhal, nunca veio a existir. Esta cisterna é consequência de um espaço entre medula espinhal e dura-máter e local propício à acumulação de líquido cefalorraquidiano. Líquido este que Notarobaldo nunca possuiu.

Uma mutação? Darwinianamente vencedora ou perdedora? Falaremos disso em alguma próxima crônica.

No momento, o que importa é saber que Notarobaldo atingiu o ápice do auto-conhecimento e do auto-desenvolvimento. O Analista de Bagé, que começou o tratamento com uma porrada na cara (e, literalmente, piorou o problema original naquela semana), não aceitava que Notarobaldo se colocasse no papel de vitima. O personagem do Veríssimo teve um papel fundamental na recuperação de nosso amigo. Ao deixar de se vitimizar, Notarobaldo usou todo o potencial que tinha reprimido e todas as idéias criativas que acumulou ao longo de uma vida sempre mirando os céus e o infinito: foi logo promovido a vice-presidente de inovação em sua empresa.

Mas neste momento ele já “estava noutra”; se demitiu e recusou vários convites para ser objeto de estudos fisiológicos e psicológicos. E para dar palestras em empresas com e sem fins lucrativos.  Notarobaldo, com sua eterna visão da imensidão celeste, e com intermitentes, inevitáveis, indesejáveis e aleatórios chutes em pedras que estavam no meio do caminho (e conseqüentes dedões do pé consistentemente inchados e sem as respectivas unhas), tornou-se o ser humano com maior equilíbrio e controle sobre o próprio ego. De dar inveja aos mais sábios mestres de Aikido e até ao Dalai Lama, se ele sentisse inveja.

Se tivesse topado participar dos estudos para os quais foi convidado, teria destruído diversas hipóteses freudianas, junguianas, lacartianas; se aceitasse as propostas de emprego ou, pelo menos, dar algumas palestras, teria acumulado mais bens materiais que ícones da humana busca da felicidade, autores consagrados, tais como Eckhart Tole, Deepak Chopra, Debbie Ford, Martin Seligman e Paulo Coelho.

Mas Notarobaldo era um filósofo em essência, um ser frugal por herança genética e um revolucionário provocador-pacifista por força do destino.

Abriu mão de tudo que poderia ter sido em nome do que resolveu ser. E nunca quis dar entrevistas. Daí minha dificuldade de contar suas passagens com a devida fidedignidade. Continuarei tentando...

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